quinta-feira, 28 de maio de 2009

A Batalha do Bolo


Por lee Carvalho

Todo ano no dia 25 de Janeiro, Telma Maria Ferreira da Silva, moradora da Vila Maria, região norte de São Paulo, levanta ainda de madrugada, apronta os três filhos e segue para o ponto de ônibus. O destino: bairro do Bexiga no centro da cidade.
Uma hora depois ela chega ao local da festa e se posiciona com os filhos de frente para o bolo, munidos de bacias, sacos e caixas para assegurar que não sairão de mãos vazias do local.Telma veio ao Bexiga pela primeira vez aos 20 anos, hoje com 46, diz nunca ter perdido uma edição da famosa festa.
O marido está trabalhando, mas espera comer um pedaço do bolo quando chegar em casa tarde da noite. Ela e os filhos pegam tudo que puderem carregar e garantem que nenhum pedaço é desperdiçado, a família divide o bolo com a vizinhança e o come no café da manhã e no lanche da tarde.
Pergunto se não é ruim comer o bolo todo despedaçado e ela dá a receita: “é só colocar tudo numa travessa, dar uma prensada nele e colocar na geladeira, ele fica durinho de novo, não fica ruim não!” Misturado? “Sim, misturado...”
E se o bolo fosse partido por garçons e servido fatia por fatia para cada participante?
“ Aí não seria legal, a única coisa que não concordo é jogar o bolo no chão e pisar em cima e aspessoas não esperarem para cantar parabéns para São Paulo”, diz ela.
Walter Taverna presidente da Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista (SODEPRO), organizador da festa nos últimos 12 anos, concorda que graça da festa é o “ataque ao bolo”, como chama. “ O divertido é tentar comer um pedaço do aniversário de São Paulo, eu não faria de outra forma, a festa é para o povo.”
Este ano o ataque ao bolo surpreendeu à todos. A equipe de confeiteiros se preparava para espalhar os confeitos de chocolate sobre o bolo, quando a multidão rompeu o cordão de isolamento e atacou a iguaria de laranja e baunilha. Nada anormal, já que o apressado paulistano corre até em escada rolante.
A imprensa teve a mesa derrubada aos seus pés, para logo depois ser atacada pelo povo em uma guerra de bolo. Enquanto todos corriam para se proteger na área reservada aos jornalistas, o apresentador gritava ao microfone: “ respeitem a cidade de São Paulo, respeitem a cidade de São Paulo!” e a multidão sem se importar continuava a atirar o bolo.
Neste momento confirmei uma desconfiança que sempre tive: boa parte dos moradores daqui não tem respeito ou apego algum pela cidade. Essa corrida louca pelo bolo talvez tenha uma causa mais profunda, inconsciente. Onde as pessoas tomam de volta o que esta cidade nunca lhes proporcionou e o bolo assume assim um efeito apaziguador.
Esta batalha está perdida há 23 anos, pois o número de “famintos pelo bolo” cresce mais rapidamente que o próprio bolo: ano passado foram 7.000 pessoas, este foram cerca de 10.000 pessoas.
“Seo” Walter que tenta pegar um pedaço de bolo desde que a festa começou há duas décadas atrás, terá que esperar mais um ano para realizar seu sonho.

Histórico

A idéia de fazer uma festa de aniversário para a cidade de São Paulo foi de Armandinho do Bexiga, figura querida no tradicional bairro da cidade. O primeiro bolo foi idealizado para bater recordes: tinha 1.500 metros.
No ano seguinte o bolo media em metros o número de anos que a cidade estava completando e a cada ano ganhava um metro para acompanhar o tamanho da história da cidade.
Em 1994 Armandinho faleceu e a festa passou para os cuidados de Walter Taverna.

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